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Glossários de
Arquitetura e Urbanismo

texto
Elane Ribeiro Peixoto
Leandro de Sousa Cruz


ilustrações
Eliel Americo Santana da Silva

Texto elaborado, originalmente, como apresentação do Glossário de Ideias Recebidos - atividade da turma de 2/2020 na disciplina Arquitetura e Urbanismo da Atualidade. Revisado pelos autores em julho de 2021 para o endereço eletrônico do grupo Cidades Possíveis.

 

Glossários são listas de palavras com explicações chamadas glosas. Pode-se dizer que já estavam presentes na Antiguidade, mas seu desenvolvimento e popularidade ocorrem na Idade Média. Como o latim era a língua culta, os glossários eram bilíngues, usando as línguas vernáculas, a língua culta e também o grego. Eram usados mais pelos professores para auxiliar na interpretação de textos e estavam, em geral, integrados a esses, apoiando a explicação do sentido de palavras obscuras. Com o tempo, tornaram-se mais autônomos, organizados segundo ordem alfabética ou com outra forma de sistematização, (FARIAS, 2007) podendo, inclusive, constituir-se como um conjunto de termos específicos a determinado campo de conhecimento. Recorre-se às posições de Petri e Medeiros:

Os dicionários, os vocabulários, bem como os glossários são lugares de memória na língua [...]. Memória que não se faz sem desvãos, interditos, apagamentos e deslocamentos; memória tensa, tecida na e sobre a língua nos procedimentos tornados prática no fazer dicionarístico [...].

[...] [U]m glossário, qualquer que seja, não tem o mesmo estatuto do dicionário: este se apresenta na sociedade como lugar de consulta da língua – monumento de um patrimônio − e, como tal, adentra espaços escolares e institucionais, espaços privados e públicos quaisquer. Já o glossário não se apresenta como tal; outro leitor aí se inscreve. Grosso modo, diremos que se destina a um público mais específico; mais restritos são os seus espaços de circulação. Se um dicionário produz o efeito de completude, diremos que no glossário o efeito é outro, o de parte especial e específica na língua, isto é, o glossário aponta para uma especificidade qualquer, seja de um texto literário, seja de uma região, por exemplo. (PETRI; MEDEIROS, 2013, p. 50-51)

Pesquisadores do grupo Cidade Possíveis têm trabalhado, nas disciplinas que ministram na graduação e em atividades de pesquisa, com a formulação de verbetes para glossários e outras obras de referência.  Dada a complexidade da produção contemporânea em Arquitetura e Urbanismo, consideram-se aqui a variedade de seus conceitos e a velocidade com a qual eles são apropriados, criticados, esquecidos e supostamente redescobertos. Seja como forma de exploração de um campo ampliado, como estratégia de afirmação de autoridade ou, ainda, de inserção em esferas de poder e de influência, profissionais e pesquisadores fazem o uso recorrente de metáforas, neologismos e empréstimos mais ou menos indevidos de outros campos. Entendemos, ainda, que na produção de glossários de arquitetura e urbanismo, glosas acompanhadas por desenhos costumam ser muito bem-vindas, dado que a expressão gráfica pode iluminar o que as palavras dizem. A palavra “iluminar” conduz e rememora a prática das iluminuras e nos faz lembrar que, até pouco tempo atrás, quem tinha a nobre habilidade de ilustrar era chamado "iluminador". Além disso, alguns contribuem para publicações dessa natureza em parceria com colegas talentosos na arte de iluminar os textos, caso é o caso do professor Eliel Americo Santana da Silva. [ 1 ]

 

Nas atividades da disciplina da graduação Arquitetura e Urbanismo da Atualidade, na edição do semestre 2020.2, solicitou aos estudantes a produção de um glossário como um inventário das ideias em trânsito na produção atual, [ 2 ] o que nos levou ao famoso Dicionário das Ideias Feitas (Dictionnaire des Idées Reçues) de Gustave Flaubert, (2017) em que o escritor reuniu e comentou, com perspicácia e muito sarcasmo, um conjunto de jargões, lugares-comuns e ideias socialmente aceitas em seu tempo, como um "[...] manual de etiqueta de conversa da burguesia francesa [...]" no século XIX. (MESSIAS e PINO, 2011, p. 63) Esta provocação foi abordada, anteriormente, por Enrique Walker (2017a; 2017b) em uma série de ateliês de projeto e seminários teóricos nos quais os estudantes exploraram ideias que se reproduzem largamente na cultura arquitetônica contemporânea, buscando identificar "[...] aquelas estratégias de projeto que perderam sua intensidade original devido a sua recorrência e aquelas que sobreviveram aos problemas de projeto aos quais se destinavam originalmente. [...]". (WALKER, 2017b, p. 95, tradução nossa) Com Walker, entende-se que o reconhecimento dos clichês da produção atual serve não apenas para estabelecer um juízo crítico como também para promover sua desestabilização e, possivelmente, apontar caminhos para novas práticas e alternativas. (WALKER e NAJLE, 2014) Outra importante referência, das mais relevantes para esta atividade, veio da pesquisa Cronologia do Pensamento Urbanístico, resultado da colaboração entre UFBA, UFRJ, UNEB, UnB, UFMG, Unicamp, UFRGS e USP, que pode ser acompanhada no endereço eletrônico do projeto [ 3 ] e na publicação mais recente da Coleção Nebulosas do Pensamento Urbanístico, organizada em três tomos por Margareth da Silva Pereira e Paola Berenstein Jacques. (PEREIRA e JACQUES, 2021)

Para o glossário, os estudantes produziram verbetes que ora aprofundam os conteúdos da disciplina, ora apontam para zonas que merecem maior atenção. Cada verbete seguiu uma mesma estrutura: constam de uma citação de referência, na qual, necessariamente, o termo foi empregado; uma ilustração, podendo ser desde uma fotografia a colagens autorais; e o texto do verbete propriamente dito. Mais do que encerrar o assunto, eles servem para instigar a discussão e devem ser vistos como “catalisadores da partida” para novos debates, como no glossário editado por Joan Ockman para o livro The Pragmatist Imagination. (OCKMAN, 2000) Para incentivar as relações entre os verbetes, solicitou-se a inclusão de três itens remissivos, chegando-se a uma nebulosa em formação, representada no diagrama em destaque. Em vermelho foram indicados os trabalhos deste semestre, entremeados pelas indicações para futuras pesquisas, formando o que podem ser adensamentos de “pequenas nuvens”, para usar o termo de Margareth Pereira. (2014) A ver como elas serão configuradas futuramente, com a chegada dos ventos de novas turmas de Arquitetura e Urbanismo da Atualidade e novas atividades do grupo Cidades Possíveis.

notas

 

[ 1 ] Eliel Americo Santana da Silva é professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília. Junto à profa. Elane Peixoto, produziu a glosa “Modernismo na Arquitetura e Urbanismo”, a ser publicada em breve. Agradecemos pela gentileza em ceder as imagens para este texto.

[ 2 ] Ver o Glossário de Ideias Recebidas no endereço eletrônico da disciplina Arquitetura e Urbanismo da Atualidade: https://www.atualidades-fauunb.org/glossario

[ 3 ] Ver endereço eletrônico da Cronologia do Pensamento Urbanístico em: http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/

referências

FARIAS, Emilia Maria Peixoto. Uma breve história do fazer lexicográfico. Revista Científica Trama, Marechal Cândido Rondon, v. 3, n. 5,  p. 89-97, jan./jun. 2007. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/trama/article/view/961 | Acesso em: 21 jan. 2021.

FLAUBERT, Gustave. Dicionário das ideias feitas. In: FLAUBERT, Gustave. Bouvard e Pécuchet. Tradução: Marina Appenzeller. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2017. p. 365-382.

MESSIAS, Carolina; PINO, Claudia Amigo. Dicionário de ideias aceitas: projeto de tradução. Revista Criação & Crítica, São Paulo, n. VII, p. 61-70, out. 2011. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/46835 | Acesso em: 21 jan. 2021.

OCKMAN, Joan (ed.). The pragmatist imagination: thinking about “things in the making”. Nova Iorque: Princeton Architectural Press; Columbia University, 2000.

PEREIRA, Margareth da Silva. O rumor das narrativas: a história da arquitetura e do urbanismo do século XX no Brasil como problema historiográfico – notas para uma avaliação. redobra, Salvador, n. 13, p. 201-247, 2014. Disponível em: http://www.redobra.ufba.br/wp-content/uploads/2014/10/RD13_D03_O-rumor-das-narrativas.pdf | Acesso em: 21 jun. 2021.

PEREIRA, Margareth da Silva; JACQUES, Paola Berenstein (org.). Coleção Nebulosas do pensamento urbanístico. 3 vol. Salvador: EDUFBA, 2021. Disponível em: http://www.laboratoriourbano.ufba.br/?publicacoes=colecao | Acesso em: 21 jun. 2021.

PETRI, Verli; MEDEIROS, Vanise. Da língua partida: nomenclatura, coleção de vocábulos e glossários brasileiros. Letras: Revista do Programa de Pós-graduação em Letras, Santa Maria, v. 23, n. 46, p. 43-66, jan./jun. 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/ 11725/7156 | Acesso em: 21 jan. 2021.
WALKER, Enrique. Bajo constricción; El diccionario de ideas recibidas. Santiago do Chile: Ediciones ARQ, 2017.

WALKER, Enrique. Ideas recibidas. ARQ, Santiago do Chile, n. 95, p. 92-95, abr. 2017. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/375/37550590011.pdf | Acesso em: 21 jan. 2017.

WALKER, Enrique; NAJLE, Ciro. Out of Time 21/ Enrique Walker. Enrique Walker conversa con Ciro Najle. Columbia University, Nueva York, abril/ mayo 2014. PLOT, Buenos Aires, p. 160-169. jun./ jul. 2014.

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